Pastor Wildo, concreto e sonho.
---------------------------------------------------------------------- Magno Aquino
"O seu coração não está aqui!" ouvi esta afirmativa sob o inclemente sol da Bahia; rodeado por pilhas de tijolos, sacos de cimento, montes de areia fina, média, grossa, saibrosa e ferros e suor, abundante suor e humores ácidos.
Não respondi; não de imediato; ando lendo a Bíblia como deveria lê-la há anos, com atenção, e contrito. É isso, ouvir e silenciar, permitir-me uma lacuna, considerar cada palavra e orar, pra só então responder, mansamente; é um parto! O resultado, porém, é fascinante, funciona, economizei muitos arranca-rabos desde então; mas é um parto! (posso falar sobre partos, sou cinegrafista, já filmei dezenas de partos.)
Ouvir sem responder, mesmo quando a perplexidade da afronta conduz todo o sangue aos olhos; coisa de crente!
O meu coração está em Deus, atento e disposto, Ele sabe disso, as pessoas que generosamente convivem comigo sabem disso (conviver comigo tem sido um ato de generosidade explícita nestes dias!) até quem verbalizou a afirmativa sabe disso.
Entenda uma coisa: sou missionário, dispus-me a não exercer mais nenhuma profissão secular com remuneração e direitos celetistas condizentes com as mesmas em troca do honroso ofício de obreiro da missão Vida; desde então de nada tenho falta, até voltei a estudar e ajudo a minha filha. Deus é Bom! "Amo o que faço, por mais difícil que, às vezes, seja fazê-lo: recuperação de mendigos."
Mas acabo de ser removido de um campo missionário no qual me sentia útil o dia todo, todos os dias. (economize o seu e o meu tempo, não envie e-mail me lembrando que vida de missionário é assim, eu moro no trabalho.) Lá, entre as tarefas cotidianas estava o parar pra emprestar os ouvidos, confortar e animar os irmãos internos, acolher os novos, oriundos de situações desesperadoras e cuidar-lhes as feridas, cuidar da saúde, aparência e do moral. Testemunhar o milagre que em mim se operou, pois cheguei aqui em idêntica ou pior situação que a maioria deles, e alimentar-lhes a esperança graciosamente fornecida pelo Senhor Jesus.
Participar do todo o maravilhoso curso que a vida daqueles homens toma quando se submetem a Deus no programa da Missão Vida.
Nos últimos cinco anos tudo o que eu pensava sabre e crer foi alterado ou substituído, conceitos que não passavam de suposições, obesidade teológica. Um total anonimato quanto a real responsabilidade da Igreja.
A afirmação diz que não amo o que viemos fazer aqui e ela é um equívoco; não amo lugares ou situações, nunca amei. Insisto em permanecer sob a vontade do Pai; sofro menos, aprendo e cresço. Mas confesso o meu desapontamento quando após a devocional ao ar livre (Uau! Nós temos uma árvore enquanto não temos uma capela; já até chamamos a nossa árvore de capela; ou seria, chamamos a nossa capela de árvore?)! Ergo os olhos e lá estão os montes de areia fina, média, grossa, saibrosa e sabe-se lá mais o quê.
Não amo essas coisas. Na fazenda da Missão Vida aprendi amar gente, de todo tipo e lugar, não importando a anterior circunstância; corpos sujos, unhas e cabelos idem, feridas mal-cheirosas e mendigos desbocados não estragam o meu dia, eles são o meu dia, pra isso me treinaram lá. Ainda não consigo amar construções.
Não consigo como o Pr. Zilvan consegue exultar com as novas paredes, nem com as estruturas metálicas imponentes; dias ruins esses meus aqui.
Concreto e calor, pregações rápidas e orações escassas, implicantes; um balbuciar murmurante e incrédulo, uma desesperança de que algo mudasse nesses longos e lentos dias. Mas as coisas sempre mudam, ainda que jamais me habitue às flagrantes intervenções de Deus em nós.
O fundador e presidente da Missão Vida, rev. Wildo apareceu dias atrás, um evento! Numa das visitas ao local onde diariamente construímos a nova unidade, ele, do nada aparente começou a apontar em várias direções e a falar e falar e descrevia com vigor a fileira de árvores rente à cerca, as plantas ornamentais e o grande quiosque no qual as crianças carentes da região serão ensinadas por professoras crentes, duas professoras; até o lanche das três da tarde ele descreveu.
Depois apontou para o terreno, um platô onde tem uns buracos e umas estacas fincadas, e detalhou o novo alojamento, e biblioteca e refeitório, minuciosamente, até a "rua", até as telhas de cerâmica, "muito bonitas por sinal!" Meus olhos perseguiam as direções apontadas e se certificavam que ali, no ardor da tarde, só havia mato, lixo e areia, muito mato, lixo e areia, areia abundante.
Confesso que não senti vontade alguma de dizer qualquer coisa, meu respeito e afeição por ele me calaram, desviei os olhos, desolado e só.
Abrindo o meu e-mail, (já contei que a net aqui é via rádio e cai o tempo todo? Que não existe 3G nem banda larga? Que não tem correios? Comentei que a minha lista de etcéteras das coisas que aqui não tem, fim não tem?) e encontrei o e-mail da Ivy Menon; encafifo com a ironia divina sempre se utilizando de presbiterianos "pra me chamar na regulagem" (embora a graça e o talento abundem nesta cáustica e adorável calvinista) cajado e bálsamo.
Em seguida, numa conversa caseira (metodista) a Lúcia Estela do Paulão me disse coisas que só uma amizade de mais de vinte anos pode produzir, mais cajado, e mais bálsamo; contou-me que foi ao Maranhão entregar a quarta e última filha à Obra do Senhor: Ana Paula, Laura, Cláudia e Adriana; Bangladesh, IM, Moçambique e Maranhão, êita! Agora só falta o Timóteo.
Daí, um moço que nunca me vira antes interrompeu o culto pra me "entregar um recado de Deus!" (quem me conhece sabe que me retiro em tais situações) e sem rodeios falou de assuntos de foro íntimo, uns trem que só conversei com Deus; nada subjetivo, sem gritar, afiado, direto; um refrigério assombrou-me.
Ao sair olhei pra construção, tava escuro, firmei as vistas (mamãe é que fala assim) procurando o quiosque com as crianças e as árvores e as telhas de cerâmica "muito bonitas por sinal!" que só o pr. Wildo consegue ver; os prédios e a capela e a biblioteca que até agora só estão na cabeça do Pr. Zilvan; os laguinhos que só o Douglas enxerga.
Certamente nunca me apaixonarei pela construção de um prédio nem entoarei louvores porque o cimento chegou na hora e a brita veio no número certo.
Já parei de orar "tentando me apaixonar por tijolos!" Preciso ser mais romântico e sonhador e amar os sonhos do Pr. Wildo e do Pr. Zilvan, amá-los, até que os sonhos que hoje são só deles sejam sonhos de Deus em mim.
Já parei de encher a paciência de Deus (ia escrever "encher o saco") mas combato em mim a facilidade impune em proferir palavrões, um hábito velho demais, que agora também é um hábito feio.
"Essa porcaria é um hábito forte pra caramba, mas com dizem aqui, Deus é mais!"
(ex-interno do Centro de Recuperação de Mendigos – Missão Vida)
Graça e paz, estou conhecendo seu espaço atraves da Rede Social Cristã, parabéns pelo Blog. Aproveito para divulgar o meu: http://recortecotidiano.blogspot.com/ Vamos nos seguir, trocar idéias e estabelecer um clima de comunhão entre nós, blogueiros cristãos. Abraços!
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