quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

[John Wesley e o Espírito Santo


 


 


 

________________________________________ Duncan Alexander Reily


 


 

Norman Lawrence Kellett, na sua tese de doutoramento argumenta que a Doutrina do Espírito Santo tinha quase desaparecido na Inglaterra, devido ao deísmo tão difundido entre teólogos da Igreja da Inglaterra e do socinianismo e moralismo entre os puritanos ("dissidentes"). Concordo com a tese de Kellett; ao restaurar a doutrina do Espírito Santo, Wesley contribuiu também para um saudável equilíbrio na fé e na prática do cristianismo na Inglaterra e, através do movimento metodista, ao protestantismo em geral.


 

No entanto, o propósito do presente ensaio não será a defesa da tese de Kellett e, sim, uma análise da doutrina do Espírito no pensamento e na prática de Wesley. Trataremos principalmente da doutrina da Trindade, da doutrina da redenção e da vida no Espírito e, por fim, consideraremos um complexo de questões que agruparemos sob a indagação "Era Wesley um 'entusiasta'?"


 

O Espírito Santo e a Trindade


 

Wesley manifestava pouco interesse em uma teologia meramente especulativa; por isso, apesar de aceitar a doutrina da Trindade como verdadeira e em harmonia com a revelação, ele se recusou a tentar explicar como era possível o único Deus ser também três. Defendia, porém a formulação oficial nos Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, elaborados durante o reinado da Rainha Isabel (ou Elizabeth I). Veremos logo abaixo sua adaptação dos Trinta e Nove Artigos, por ocasião da criação da Igreja Metodista Episcopal, em 1784. O que, na verdade, realmente mereceu a atenção de Wesley era a efetivação da plena salvação humana através da ação conjunta de um Deus triuno e a essencial harmonia de todas as pessoas divinas que perfaziam a plenitude da trindade.


 

Na sua célebre "Carta a um Católico Romano", escrita em 118 de julho de 1749(Letters, III, 7-14), Wesley demonstra o quanto se assemelham as doutrinas protestantes e católicas, a partir da sua crença em Deus como Pai, Filho e Espírito Santo. Na referida carta, ele define Deus como ser "infinito e independente", "pai de todas as coisas", sendo "de maneira especial o Pai daqueles que Ele regenera pelo seu Espírito, os quais Ele adota no seu Filho, como co-herdeiros com Ele...". Portanto, a redenção e obra do Deus trino, a regeneração sendo uma função do Espírito. Encontramos na mesma carta outro exemplo da co-participação das três pessoas divinas, esta vez na obra da revelação: O salvador, Jesus de Nazaré, "sendo ungido pelo Espírito Santo, foi profeta, revelando-nos a vontade plena de Deus". Novamente temos, então, uma Trindade "funcional", sendo a tarefa particular do Espírito Santo a de ungir o Filho como profeta de Deus Pai (e bem assim, dos seus ofícios como Sacerdote e Rei).


 

Wesley continua com a descrição, não mais com a pessoa do Espírito (a qual enfaticamente afirma), mas com função deste. Estas funções, no entanto, serão tratadas mais adiante, na parte sobre a vida do Espírito. Wesley não chegou a elaborar urna confissão de fé original; mas, quando da constituição do metodismo norte-americano


 

(FALTA UMA FRASE AQUI)


 

Pessoas da mesma substância, poder e eternidade - Pai, Filho e Espírito Santo." O 4° Artigo declara: "O Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, "e da mesma substancia, majestade e gloria com o Pai e com o Filho, verdadeiro e eterno Deus."

 
 

O 4° Artigo contrário ao Credo Niceno na sua forma original e contra a postura da Igreja Ortodoxa afirma que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. John Wesley não ignorava a história do acréscimo das palavras "e do Filho" (filioque, em Latim), o qual havia resultado na ruptura do Cristianismo em duas Igrejas distintas, a Católica Romana e a Ortodoxa (1054). Wesley a inovação, a qual tinha a intenção de enfatizar a igualdade entre Pai e Filho. Comentando João 15.26, ele escreveu: "Que ele procede do Filho, bem como do Pai, pode ser corretamente argentado por ele ser chamado o Espírito de Cristo -I Pe 1.11; e do fato de ser declarado aqui dele que fora enviado por Cristo [da parte] Pai, e também pelo Pai em meu nome".(Notes, loc. cit.)

 
 

Pelo exposto, fica evidente Que Wesley não a aceitava a doutrina da Trindade impensadamente. Ele percebeu na formulação tradicional da Trindade uma clara expressão da harmonia entre as operações do Espírito Santo e as do Pai e do Filho.


 

Por exemplo, devemos notar a íntima relação entre o Espírito Santo e Jesus de Nazaré. Os Evangelistas afirmam que Maria "achou-se grávida pelo Espírito Santo" (Mt 1.18; cp. Lc 1.35). Foi o Espírito que ungiu Jesus por ocasião do seu batismo, enquanto Deus dizia "Tu és meu Filho amado, em ti me comprazo" (Mc 2.1; cp. Mt 3.16,17 e Lc 3.21,22). Wesley comenta o acontecido: "Este foi um sinal visível daquelas operações secretas do abençoado Espírito, porque ele foi ungido de uma maneira peculiar; e abundantemente preparado para sua obra pública (cp. Lc 4.18 e o comentário de Wesley nas Notes). Assim Jesus (o Filho) foi constituído profeta pela ação do Espírito Santo, para declarar a vontade de Deus Pai, sendo o verbo a própria "Palavra" do Pai.


 

A função do Espírito Santo na inspiração é tema freqüentemente mencionado nos hinos de Carlos Wesley.


 

Nessa harmonia de intenção e de ação, não seria possível que a trombeta desse sonido confuso (cp. 1Co 14.8); quaisquer novas revelações teriam necessariamente de estar em harmonia com a "Lei e o Testemunho" (cp. Is 8.19,20; Wesley usava a frase com freqüência). Qualquer discrepância entre uma nova palavra, profecia ou revelação e as Sagradas Escrituras teria que ser considerada inautêntica, pois a concordância entre as três pessoas divinas da Trindade evitaria qualquer contradição.


 

A importância desse fato para Wesley é ilustrada por um significativo diálogo que ele manteve com um Quaker, ou seja, membro de uma corporação religiosa que muito prezava a direção da "luz interna" em tudo. O Quaker havia, outrora, assistido à pregação de Wesley, mas não o fazia mais. Deu como a razão que Wesley não era conduzido pelo Espírito Santo, pois marcava com antecedência o lugar e horário das suas pregações, sem esperar imóvel aguardando uma ordem do Espírito para pregar em um ou outro lugar. Wesley perguntou ao homem se o cristão não deveria fazer o que Deus manda nas Escrituras (isto é, pregar a palavra a tempo e fora de tempo - cp. 2Tm 4.2) e se as conversões que efetivamente ocorriam não seriam suficiente confirmação de que ele estivesse agindo em harmonia com a vontade do Deus triúno. O Quaker não concordou; para ele, Wesley devia esperar que o Espírito o movesse a pregar; de outra forma o metodista estaria valorizando "a letra que mata" mais que a instrução do Espírito. Assim Wesley escreveu no seu Journal no dia 6 de julho de 1739, "Deus queira que eu sempre preze [Sua palavra] todos os dias da minha vida." Não é que Wesley descria em direção direta do Espírito, mas ele tinha a certeza de que tal direção ou instrução nunca poderia contrariar a clara revelação de Deus; de outra forma, Deus, o Espírito, estaria em conflito com Deus, o Pai, uma situação inconcebível para uma pessoa que se considerava HOMO UNI US LIBRI.


 

Outra ocasião em que o mesmo tipo de questão estava em jogo talvez deva ser narrada aqui. No dia 31 de agosto de 1784, o octogenário João Wesley escreveu uma carta de consolo e conselho a Ann Bolton. Na carta, Wesley narrou um acontecimento antigo que houve na sua família. Wesley Hall namorava Kezia, a filha mais jovem da família Wesley. Hall falou a Kezia que Deus a havia escolhido para ser sua esposa; Kezia orou e se convenceu que Deus realmente os havia feito um para o outro. Mas, depois de uma semana, Hall largou a Kezia, namorou Marta ("Patty"), e se casou com ela, deixando Kezia desolada e perplexa. Assim João Wesley, aproveitando a narrativa para tal, aconselhou Ann Bolton (a qual aparentemente passava por crise semelhante) que nunca se devia confiar demais nas orações em semelhantes situações e, sim, só na "palavra de Deus escrita", (Letter, VII, 233).

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Fonte : Rede Metodista